LP - Ultimamente é conhecido
do domínio público um nº crescente de casos relacionados com a corrupção, os
quais vão desde o plano local ao nacional, o que tem tido impacto na perceção
dos cidadãos. Face ao exposto considera
que a corrupção tem uma dimensão cultural?
PTC - Na minha opinião, não. Existe um maior escrutínio e informação sobre
o fenómeno da corrupção por parte do quarto poder, a comunicação social.
LP - É frequente ouvirmos os mais antigos afirmar que no tempo de Salazar
não existia corrupção. Concorda com esta afirmação?
PTC- Definitivamente não, por três razões. Em primeiro lugar o
escrutínio sobre a corrupção era muito menor. Por outro lado, o atual conceito
de corrupção abarca mais situações. Há ainda um terceiro fator: Portugal vivia
sob um regime em que existia condicionamento comercial e industrial. O
escrutínio, a definição do conceito e as estruturas do próprio regime são fatores
que condicionam a forma de encarar a corrupção na época.
LP - Na sua perspetiva qual é a verdadeira dimensão do fenómeno da
corrupção em Portugal?
PTC - É óbvio que nós temos um problema sério de corrupção.
Todavia, a perceção pública não corresponde ao número efetivo de casos. Em todo
o caso, fenómeno da corrupção deve ser profundamente combatido porque mina o
próprio regime democrático. Tendo uma dimensão considerável, a verdade é que
que este escrutínio público a tornou mais visível.
LP -Da sua experiência como ex-responsável política pela pasta Justiça
indique-nos de que forma se materializa a corrupção em Portugal?
PTC - Não há uma única forma. A corrupção se faz sentir em atos, pequenos
ou grandes. A única maneira de a combater eficazmente é criminalizar o
enriquecimento ilícito. O fenómeno da corrupção também se deve muito à fraqueza
de algumas instituições e às debilidades do próprio Estado, acrescidas de enorme
burocracia.
LP - Sabendo-se que a corrupção é a principal causa do atraso no
desenvolvimento e da prevalência de desigualdade económica e social em
Portugal, e que a mesma pode corresponder entre 8 a 10% do PIB, qual é, para
si, a melhor forma de a combater?
PTC - Não tenho como certo que a corrupção seja o fator que mais pesa
na inibição do crescimento português. Temos vários problemas estruturais a montante,
que se prendem com o modelo de desenvolvimento económico. A melhor forma de
combater a corrupção passa por dotar as entidades judiciárias e as polícias de
meios e, como referir, por criminalizar o enriquecimento ilícito.
LP -De acordo com André Correia D'Almeida, autor de um trabalho para a
Fundação Francisco Manuel dos Santos, existem dois tipos de corrupção legal
amplamente disseminados no caso português: O conflito de interesses e a porta
giratória. Concorda com esta afirmação?
PTC - Só em parte. O conflito de interesses já está previsto no
nosso ordenamento jurídico e é sancionado. Pode ser sempre aprofundado, embora
considere que regime existente é suficiente para acautelar o problema da
corrupção. A fiscalização desse instituto é que, do meu ponto de vista, ainda
não está a ser adequadamente efetuada. A questão das portas giratórias
prende-se com o conflito de interesses. A lei prevê um tempo de impedimento do exercício
de funções no setor privado para os antigos titulares de cargos políticos e de
altos cargos públicos em áreas por eles tuteladas. Penso que o período podia
ser alargado. A porta giratória é um conceito politico-sociológico, não propriamente
jurídico. Juridicamente deve-se materializar-se no alargamento do período e no escrutínio
dos atos de quem que exerceu funções políticas ou altos cargos públicos e tenha
tido intervenção.
LP - Quais os riscos associados?
PTC - Os riscos associados são o enfraquecimento das instituições e,
com isso, da qualidade da Democracia. Isso criar desigualdades sociais muito
significativas.
LP - De que forma poderá ser combatido este tipo de corrupção?
PTC - Conforme referi, através do combate ao enriquecimento ilícito,
do alargamento dos impedimentos e das incompatibilidades e de uma maior
fiscalização nestas matérias.
LP - Com a cada vez maior monitorização de dados e processos acredita que a
próxima geração esteja mais preparada para enfrentar este flagelo?
PTC - Estará seguramente mais alerta e desperta para este facto. Socialmente
a ideia de corrupção, conflito de interesses e de portas giratórias são coisas
diferentes. A última é a que vai sendo mais percecionada. É mais ouvida e entendida
pelo público. Isso faz com que o próprio legislador se sinta mais pressionado
futuramente a ter essas realidades em atenção.