06 abril 2023

Entrevista com... Paula Teixeira da Cruz

 Laura Pinto (LP) - 12º C -  entrevista a antiga Ministra da Justiça

Entrevista com...

Dr.ª Paula Teixeira da Cruz (PTC) tem um
vasto currículo na área da justiça. 
Foi membro do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, do Conselho Superior do Ministério Público, do Conselho Superior da Magistratura. e Ministra da Justiça do XIX Governo Constitucional em Portugal.  Atualmente é advogada, membro da Associação Portuguesa de Arbitragem e, também, da Associação Portuguesa de Direito Europeu. 


LP - Ultimamente é conhecido do domínio público um nº crescente de casos relacionados com a corrupção, os quais vão desde o plano local ao nacional, o que tem tido impacto na perceção dos cidadãos.   Face ao exposto considera que a corrupção tem uma dimensão cultural?

PTC - Na minha opinião, não.  Existe um maior escrutínio e informação sobre o fenómeno da corrupção por parte do quarto poder, a comunicação social.


LP - É frequente ouvirmos os mais antigos afirmar que no tempo de Salazar não existia corrupção. Concorda com esta afirmação?

PTC- Definitivamente não, por três razões. Em primeiro lugar o escrutínio sobre a corrupção era muito menor. Por outro lado, o atual conceito de corrupção abarca mais situações. Há ainda um terceiro fator: Portugal vivia sob um regime em que existia condicionamento comercial e industrial. O escrutínio, a definição do conceito e as estruturas do próprio regime são fatores que condicionam a forma de encarar a corrupção na época.


LP - Na sua perspetiva qual é a verdadeira dimensão do fenómeno da corrupção em Portugal?

PTC - É óbvio que nós temos um problema sério de corrupção. Todavia, a perceção pública não corresponde ao número efetivo de casos. Em todo o caso, fenómeno da corrupção deve ser profundamente combatido porque mina o próprio regime democrático. Tendo uma dimensão considerável, a verdade é que que este escrutínio público a tornou mais visível.


LP -Da sua experiência como ex-responsável política pela pasta Justiça indique-nos de que forma se materializa a corrupção em Portugal?

PTC - Não há uma única forma. A corrupção se faz sentir em atos, pequenos ou grandes. A única maneira de a combater eficazmente é criminalizar o enriquecimento ilícito. O fenómeno da corrupção também se deve muito à fraqueza de algumas instituições e às debilidades do próprio Estado, acrescidas de enorme burocracia.

 

LP - Sabendo-se que a corrupção é a principal causa do atraso no desenvolvimento e da prevalência de desigualdade económica e social em Portugal, e que a mesma pode corresponder entre 8 a 10% do PIB, qual é, para si, a melhor forma de a combater?

PTC - Não tenho como certo que a corrupção seja o fator que mais pesa na inibição do crescimento português. Temos vários problemas estruturais a montante, que se prendem com o modelo de desenvolvimento económico. A melhor forma de combater a corrupção passa por dotar as entidades judiciárias e as polícias de meios e, como referir, por criminalizar o enriquecimento ilícito.


LP -De acordo com André Correia D'Almeida, autor de um trabalho para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, existem dois tipos de corrupção legal amplamente disseminados no caso português: O conflito de interesses e a porta giratória.  Concorda com esta afirmação?

PTC - Só em parte. O conflito de interesses já está previsto no nosso ordenamento jurídico e é sancionado. Pode ser sempre aprofundado, embora considere que regime existente é suficiente para acautelar o problema da corrupção. A fiscalização desse instituto é que, do meu ponto de vista, ainda não está a ser adequadamente efetuada. A questão das portas giratórias prende-se com o conflito de interesses. A lei prevê um tempo de impedimento do exercício de funções no setor privado para os antigos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos em áreas por eles tuteladas. Penso que o período podia ser alargado. A porta giratória é um conceito politico-sociológico, não propriamente jurídico. Juridicamente deve-se materializar-se no alargamento do período e no escrutínio dos atos de quem que exerceu funções políticas ou altos cargos públicos e tenha tido intervenção.

 

LP - Quais os riscos associados?

PTC - Os riscos associados são o enfraquecimento das instituições e, com isso, da qualidade da Democracia. Isso criar desigualdades sociais muito significativas.


LP - De que forma poderá ser combatido este tipo de corrupção?

PTC - Conforme referi, através do combate ao enriquecimento ilícito, do alargamento dos impedimentos e das incompatibilidades e de uma maior fiscalização nestas matérias.


LP - Com a cada vez maior monitorização de dados e processos acredita que a próxima geração esteja mais preparada para enfrentar este flagelo?

PTC - Estará seguramente mais alerta e desperta para este facto. Socialmente a ideia de corrupção, conflito de interesses e de portas giratórias são coisas diferentes. A última é a que vai sendo mais percecionada. É mais ouvida e entendida pelo público. Isso faz com que o próprio legislador se sinta mais pressionado futuramente a ter essas realidades em atenção.

 

Palavras&Cª. Abril de 2024