Texto de Rui Silva apresentado ao PNED - Concurso Literário «A Ética na Vida e no Desporto»
Nos finais de 1913 John era um jovem de Manchester que sonhava ser jogador profissional de futebol. A sua realidade era, porém, bem diferente. Trabalhava horas a fio numa das muitas fábricas têxteis da sua região. A hora de entrada era sempre a mesma: 5h da manhã. Já a hora de saída... variava de acordo com a vontade e as necessidades do patrão. Nos fins-de-semana tocava, ainda que de forma efémera, no seu sonho. Era quando jogava no campeonato amador mais anónimo. Apesar de tudo era feliz... As derrotas e as vitórias eram sempre comemoradas. Festejava-se sempre da mesma forma e no mesmo local: o pub mais frequentado da cidade.
De repente tudo se desmoronou.... John é convocado pelo exército inglês para a combater na I Guerra Mundial. Continuou, deste forma, a lutar pelo mesmo desígnio: a vitória coletiva. Tudo resto era diferente. A sua vida e os seus sonhos pouco interessavam... o campo, que era da bola, deixou de ter linhas. A bola deu lugar às armas e o alvo passou a ser o “jogador” adversário em vez da sua baliza. O prazer de jogar deu lugar ao desejo de sobreviver. O período que se seguiu foi penoso. Dia após dia, vários dos seus colegas foram expulsos do jogo da vida. O facto de não existir um árbitro que assegurasse o verdadeiro espírito do jogo e de os dirigentes políticos estarem sempre a recompor as suas equipas com novos elementos impediu que este fosse dado por terminado logo às primeiras entradas fora da lei. O jogo parecia eterno...
A dado momento uma pequena pausa. Nas modalidades de pavilhão estes momentos são definidos como “Pausa Técnica” ou “Tempo Morto”. Para John foi o tempo para perceber que ele e os restantes jogadores estavam vivos, bem vivos. Aproveitando as “Tréguas de Natal” que haviam sido decretadas, John tirou dos seus
pertences a sua melhor amiga: a bola. Após sair da trincheira deu, a medo, os seus primeiros toques na companhia dos colegas de equipa. O campo, improvisado, foi repentinamente coberto de panos brancos. O que parecia ser a claque organizada dos “Ultra Peace” era apenas um conjunto de jovens alemães a demonstrar que partilhavam os mesmos ideais: a paixão pelo jogo e pela vida. John fora, por instantes, transportado para um dos seus saudosos fins-de-semana. De repente deixara de lutar “contra” para “jogar” com os alemães. É este o verdadeiro espírito do jogo...